sábado, 28 de janeiro de 2023

O “velhinho simpático” do jardim do Passeio Alegre

 

Quando era pequena, costuma ir muitas vezes, com os meus avós paternos, passear ao jardim do Passeio Alegre, na Foz do Douro.

Era um jardim tranquilo, com vistas para o mar e cheio de referências históricas e, tudo o que tenha histórias ainda hoje me deixa fascinada.

Contudo, o que eu mais gostava de andar lá a correr entre as árvores e canteiros.

O meu avô segurava-me por debaixo dos braços e lá andava eu a conquistar o jardim, como quem conquista o mundo.

A minha avó vinha atrás com a cadeira de rodas, para quando me cansasse. Ou então sentava num banco e metia conversa com alguém, caso a minha bisavó não fosse também connosco.

Uma vez meteu conversa com um velhinho que costumava lá estar muitas vezes, sentado num daqueles bancos de jardim, de olhar perdido no imenso mar de pensamentos.

- Ritinha, estás a ver este senhor? É um grande poeta, chama-Eugénio de Andrade. – apresentou-mo.

Eu cumprimentei-o, apenas como um velhinho simpático.

Apesar de sempre ter gostado de livros, de histórias e, de desde bem pequena dizer que queria ser escritora para escrever um livro e não fazer mais nada na vida, naquele momento, confesso que estava mais interessada em correr pelo jardim e deixar-me levar pela imaginação.

Não senti aquela emoção de estar com perante um dos maiores poetas portugueses, pois afinal, eu era apenas uma miúda.

O que mais me impressionou foi vê-lo tantas vezes sozinho.

Apetecia-me chamá-lo para vir brincar comigo, tal como fazia com a minha bisavó, grande companheira de aventuras.

No entanto, a minha avó dizia-me que os poetas gostavam de estar sozinhos com os seus pensamentos, para se inspirarem, o que não não me convencia lá muito. 

Hoje compreendo-o bem, pois também sinto esta necessidade, embora não me considere poeta, mas gosto simplesmente de estar com os meus pensamentos, que muitas vezes resultam em história desenhos, pinturas ou no que me der na telha. Se o que faço serve para alguma coisa o não, é supérfluo,  porque o que me importa é o prazer de o fazer. 

O certo é que, mais tarde, já adulta, conheci outras personalidades, nomeadamente artistas, tinha consciência da sua obra ou dos seus importantes feitos, mas quando estava perto delas, o sentimento foi o mesmo de quando conheci o Eugénio de Andrade, “o velhinho simpático”. 

Perto delas, via apenas o ser humano, com todas as suas virtudes e fragilidades, bem diferente da imagem de estrelas intocáveis que os media passavam. Agora já não há tanto esta impressão, mas há uns anos atrás, quem aparecia na televisão era quase um gigante, uma superstar, enfim era algo magnífico. 

Percebi então, a efemeridade da vida e a fragilidade do ser humano.

Seja quem for, faça o que fizer, conquiste o que conquistar, todos começam e acabam da mesma forma.

Apesar de ter sido (ou melhor, de SER) um grande poeta, naquela altura, eu vi no Eugénio de Andrade, apenas um velhinho que precisava de amor e carinho, que talvez sentisse a solidão da velhice como muitos outros.

Sim, podemos ser uma grande personalidade nalguma área, andar sempre rodeados de gente e sentirmo-nos sós.

Na verdade, preciso crescer para descobrir o prazer da nossa própria companhia e provavelmente o Eugénio de Andrade já o tinha descoberto há muito. Hoje percebo que talvez não estivesse assim tão só. Aliás, depois vim a saber que, na realidade, nunca esteve sozinho, pois tinha os amigos e a sua Ana Maria, amiga/filha do coração, que o acompanhou em todos os momentos. 

A essência humana é aquilo que me toca mais, apesar de admirar uma boa obra.  Uma coisa é o artista, outra coisa é a pessoa em si, embora um influencie o outro, são duas identidades distintas. 

Para mim, Eugénio de Andrade era assim, tinha todo o prestígio do mundo, mas sempre se refugiou deste, procurando viver a vida simples e ser simplesmente um ser humano como qualquer outro.  Fez questão de manter a sua vida como Sr. José, usufruindo, enquanto pôde, de tardes ou manhãs junto do mar e das palmeiras do jardim do Passeio Alegre, que tanto adorava, pois, afinal, não há nada melhor do que a companhia da natureza.

Penso que, tal como eu, o que importava mesmo a Eugénio de Andrade era aquilo que somos enquanto simples seres vivos, tudo o resto são adornos.  O que importa é vivermos em paz, vivendo com simplicidade e com aquilo que nos faz feliz.

Para além do poeta extraordinário, continuo a ver o Eugénio de Andrade (ou melhor, o Sr. José, porque o poeta só conheci mais tarde, através da sua obra) como o “velhinho simpático” do jardim do Passeio Alegre. Vejo-o como mais uma doce recordação dos bons momentos passados com os meus avós.

Não sei, mas acho que Eugénio de Andrade ficaria contente com esta terna imagem que guardo dele, porque parecia-me um senhor simples e só as grandes almas sabem ser simples.

E o mais engraçado é que, só agora, passado tantos anos, ao recordar o nosso breve encontro e ou conhecer a sua obra com outra maturidade, descobri que tínhamos várias coisas em comum, entre as quais a predileção pelas artes, pela literatura, pela escrita, pela natureza e pela mãe.  



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