terça-feira, 25 de outubro de 2022

Tobii, controlar o mundo com o olhar

 

A Tobii é uma tecnologia que permite a interação com o computador, utilizando apenas o olhar.


Trata-se de uma tecnologia sueca ainda pouco conhecida em Portugal que, para além ser um brinquedo interessante para os amantes de jogos de computador, é uma ferramenta brilhante para pessoas com mobilidade reduzida que têm dificuldade a interagir com dispositivos físicos como o rato ou teclado, para trabalhar com o computador.

Com esta tecnologia o utilizador com mobilidade reduzida pode desempenhar todas as tarefas que um utilizador comum, sem esforço físico e com muito mais rapidez do que com qualquer outro sistema.

De acordo com a minha experiência pessoal, posso inclusivamente dizer que a Tobii permite uma precisão dificilmente alcançável com os outros dispositivos, graças ao sistema de infravermelhos (um singelo aparelho do tamanho de uma esferográfica, que se prende na margem do monitor com um pequeno íman) que segue o olhar do utilizador. Desta forma, o rato passa a ser o olhar do utilizador, bastando fixar um ponto para fazer clique e usar o teclado virtual para escrever.


Já tinha experimentado outros sistemas de controlo do computador através do olhar, mas recorriam ao uso de uma câmara, o que, para além de terem muito pouca precisão, faziam com que utilizador perdesse o controlo do computador de cada vez que desviasse o olhar do monitor. Daí eu nunca me ter adaptado a nenhum desses sistemas existentes há mais anos.

Com o Tobii o utilizador só calibra o olhar apenas uma vez, no momento da instalação do software, regula as definições de acordo com as suas necessidades específicas e, depois fica sempre pronto a utilizar, podendo desviar o olhar sempre que quiser, sem nunca perder o controlo do computador.

A Tobii permite ainda o controlo ambiental (interação com eletrodomésticos como televisão, telemóvel, estores, etc) e também já vi uma cadeira de rodas elétrica a ser controlada com o olhar.

Resumindo e concluindo, com a Tobii não há limites!

Para quem não sabe, nasci com Paralisia Cerebral, tendo por isso, 97% de incapacidade, o que faz com que tenha de recorrer à tecnologia para poder levar uma vida normal.


Desde 2016 que não uso capacete/ponteiro (companheiro fiel desde os meus oito anos, com o qual fiz todo o meu percurso académico, concluí o mestrado, em 2010 e comecei a trabalhar) para interagir com o computador, faço-o, apenas com o meu olhar (como podem observar no vídeo acima).  

Conheci a Tobii graças ao empenho dos meus colegas do Departamento de Informática da autarquia onde trabalho, que se empenharam de corpo e alma para encontrarem uma ferramenta de trabalho que me permitisse melhorar o desempenho e sobretudo a qualidade de vida, bem como aumentar a possibilidade de trabalhar por mais anos.  

A tecnologia Tobii libertou-me do capacete, que me estava a causar problemas graves na cervical. Deste modo reduzi significativamente as minhas dores no pescoço e cabeça, assim como melhorei muito a minha rapidez de interação e eficácia nas tarefas diárias. Apesar das lesões serem graves e de me causaram muito desconforto, ainda consigo continuar a trabalhar, graças à Tobi.

Aqui ficam algumas pinturas e desenhos digitais, que tenho feito nos tempos livres, com a Tobii.




domingo, 2 de outubro de 2022

A Velhinha das Pombas da Ponte D. Luís

 


Jeremias nasceu na rua das Carquejeiras, no Porto. 

Tal como os outros rapazes, nascidos nas primeiras décadas do século XX, costumava brincar naquela zona, onde avós, mães, tias, subiam a longa e penosa rampa, carregadas de carqueja, para alimentar a cidade, que delas fazia questão de se esquecer, na sua miséria. 

Entre as suas brincadeiras, Jeremias gostava também de observar a paisagem, com alma de poeta. Aliás, esta era a sua alcunha, o "Poeta". Aquela paisagem do deslumbrante rio Douro, recheada de mistério, fascinava-o. 

Mas era a ponte D. Luís, o elemento de eleição do pequeno Jeremias. Não só pela sua imponente beleza, mas sobretudo por causa de um acontecimento que se repetia sempre no mesmo dia, anualmente. 

Desde que se conhecia, Jeremias lembrava-se de ver uma velhinha, que naquele determinado dia, descia, todos os anos, à ponte, onde pendurava uma pequena pomba de papel. 

Jeremias observou várias vezes o ritual da velhinha, de tal forma, que acabou por fixar o dia preciso. 

Por volta dos seus dez anos, o rapazinho resolveu aproximar-se da velhinha, no momento em que ela, com as suas mãos já muito trêmulas, atava na grade da ponte, um cordel que tinha na ponta a pomba branca feita de papel. 

- Desculpe... Porque está a pendurar uma pomba de papel aí? 

Com um terno sorriso, enquanto terminava de dar o nó, a velhinha respondeu ao garoto. 

- Faço isso desde o meu primeiro ano de vida. Nos primeiros anos, vinha pela mão do meu pai, mas conforme fui crescendo, passei a vir sozinha, todos os meus aniversários, pendurar uma pombinha branca, para que esta me realize o desejo, assim que o vento a leve a voar por esses céus imensos.

- Desejo? – perguntou o menino, com o olhar a brilhar de curiosidade. 

- Sim, peço à pomba que me traga uma única coisa, que quem a tiver, tem tudo na vida. 

- O que é? 

- É paz, meu pequeno, paz... − respondeu a velhinha, com uma festa no cabelo desalinhado do Jeremias. 

E assim, a velhinha retomou o caminho de volta ao morro, no seu passo lento e corcovado, apoiada numa tosca bengala, enquanto que o Jeremias, ainda ficou, um bom pedaço, a ver a pomba a baloiçar com o vento. 

No ano seguinte, Jeremias voltou à ponte, onde esperou a velhinha, que viria pendurar a sua pomba branca.

No entanto, as horas passaram e a velhinha não apareceu. 

Jeremias soube então, que a poucos dias de completar o seu centésimo aniversário, a velhinha tinha voado para a sua eterna paz. Faltava uma pomba a para completar o bando, que ao longo de um século, tinham voado, uma a uma, da ponte D. Luís, para se juntarem a algures, na terra dos desejos. 

O pequeno Jeremias não quis deixar o bando incompleto e, nesse dia, amarrou ele próprio uma pomba de papel, na grade da ponte. 

Quando terminou o nó, o menino olhos para o lado e encontrou uma pomba branca verdadeira que, passado instantes, bateu asas e voou em direção ao céu dourado pelo sol, onde se juntou a um numeroso bando. 

Jeremias sorriu e, a partir daquele dia, passou a pendurar, todos os anos, uma pombinha de papel na grade da ponte, continuando a ser assim o ritual da Velhinha das Pombas da Ponte D. Luís. 

 

Rita Micaelo Silva

2020 

sábado, 1 de outubro de 2022

Família Gerberas

 


Lá num cantinho do meu quintal, vive uma simpática família de gerberas.

Idosos que vergam sob o peso da vida, mas continuam belos e com o coração cheio de memórias.

Crianças ávidas das histórias dos idosos cheios de sabedoria.

Adultos que vivem um dia de cada vez, sem pressas, criam memórias, seguem os passos dos mais velhos, tomando-os como faróis das suas vidas.  

Adolescentes que imitam os adultos, correm atrás de sonhos, acreditando poder vir a ser tão bons ou melhores do que os seus antepassados.

E bebés inocentes que só querem o amor e proteção de todos os outros.

E assim, tudo cresce e vive tranquilamente, respeitando o lugar de cada um e aprendendo todos juntos.

Olhando para aquele cantinho do meu quintal, fico a imaginar como seria bom que a civilização humana fosse como a família Gerberas...