domingo, 25 de setembro de 2022

Um Take Away para Abelhas, será boa ideia?

 

Geralmente, não costumo comentar nas redes sociais e, muito menos quando se trata de disparates, mas, há dias, li um post, ao qual não resisti em comentar.

Confesso que nunca gostei de redes sociais, que têm contribuído não só para a desinformação, mas também para a preguiça de ler / escrever e isso, contribui para a regressão das funcionalidades do cérebro humano e da capacidade de um pensamento complexo. O que é perigoso, porque um indivíduo incapaz de pensar pela sua própria cabeça é um Indivíduo vulnerável, facilmente manipulável.

Uma sociedade manipulada, como se tem vindo a verificar ao longo da história da humanidade, não tem grande resultado, antes pelo contrário. Por isso, resolvi contrariar essa tendência para a preguiça de pensamento e recomecei a escrever neste meu velho blogue, para quem quiser, pelo menos, fazer algum exercício aos neurónios, através da leitura de mais do que uma ou duas linhas de palavras, que é o máximo que, nos dias de hoje, se consegue ler nas viciantes redes sociais, muitas vezes sem interesse e cheias de erros ortográficos.

Mas, vamos então ao tema desta publicação: Um take away para abelhas.

Daria um título engraçado para um conto infantil, sem dúvida!  Mas não, este foi o título que me foi veio à ideia, ao ler um apelo feito nas redes sociais para que alimentassem as abelhas, durante o inverno, com uma tigela de raspas de maçã e água, para compensar a escassez de alimentos. Pretendiam eles, assim, ajudar a combater a extinção das abelhas. A intenção é boa, mas será que é viável e eficiente?

Ora, se eu fizesse isso no meu quintal, a papa de maçã (porque maçã raspada em água, rapidamente virava papa, para além de oxidar e ganhar bolor) teria vários clientes desde ratos, gatos, pássaros, larvas, entre outros. Ou seja, abelhas provavelmente nem chegariam a tempo de a provar o prato para elas preparado.

Depois há outro pormenor que quem apelou ao take away para  abelhas se esqueceu: as abelhas não dispõem de guarda-chuvas, sobretudos, nem de automóveis para se deslocarem ao take away, nos rigorosos dias de inverno. E também não usam telemóvel para mandar vir a refeição à colmeia.

Ao contrário do que muitos possam pensam, a razão pela qual as abelhas produzem mel, trabalhando arduamente durante todo o verão, não é de todo para satisfazer o desejo do ser humano de barrar o pão com mel, ao pequeno-almoço.

As abelhas produzem mel para satisfazerem as suas próprias necessidades, para as suas subsistências, sobretudo nos meses de inverno, em que os alimentos são mais escassos e as temperaturas são muito baixas, às quais não resistiriam, caso tivessem que andar a voar de um lado para o outro. Até porque também não conseguiriam voar de um lado para outro debaixo de chuva. Logo o mel é suficiente para aguentarem o inverno até à próxima primavera. 

O mel em excesso pode ser dispensado para os seres humanos, mas só o excesso, caso contrário a colmeia dificilmente sobreviverá. Por isso é que os apicultores alimentam as abelhas, durante o inverno, com soluções açucaradas (que não podem ser preparadas com um açúcar qualquer, porque podem causar disenteria), para contrabalançar o fornecimento das colónias e estimular criação das ninhadas  

O metabolismo da abelha está programado para que seja assim e, deste modo, ela pode ter o seu ciclo de normal.

A Natureza é perfeita, nós é que estragamos tudo quando tentámos intervir, mesmo que com boas intenções. Ou seja, a Natureza não foi feita para ser domesticada, manipulada pela humanidade e, insistência do Homem em querer dominar só tem tido mau resultado. Até porque a grande maioria das espécies são muito mais antigas do que a humanidade.

Sobre o assunto recomendo os livros, de Peter Wohlleben.  O livro “A Vida Secreta dos Anima" tem inclusivamente um capítulo dedicado à abelha, explicando como funcionam as colónias de abelhas.  

As abelhas estão preparadas para sobreviver a todas as estações, o problema das abelhas é a destruição dos seus habitats naturais (sem esses as abelhas, nem sempre conseguem recolher mel suficientes para sobreviverem ao inverno)  e os inseticidas. 

Apesar de não ser propriamente entendida em biologia, penso que alimentar abelhas, como se fossem animais domésticos, não faz muito sentido, só as poderá vir, futuramente, a prejudicar, porque alterar o metabolismo do animal, pode levá-lo à morte, tal como li nos livros de Peter Wohlleben, onde está tudo bem explicado, com vários exemplos concretos. 

Se querem ajudar abelhas, não as matem, com medo das picadelas, plantem diversas espécies de flores que floresçam em diferentes épocas do ano, não destruam florestas nem espaços naturais e deixem-nas viver o ciclo da vida em paz. Este é o take away que a abelhas gostam e precisam: espaços naturais com plantas, flores e árvores, bem como água limpa. Reforço, varandas com vasos de plantas floridas, jardins e quintais com flora diversificada, livres de inseticidas e água limpa (água da chuva é ideal), são excelentes take aways para abelhas e insetos polinizadores, entre outros animais.

Tenho várias espécies de abelhas no quintal e nada faço, simplesmente delicio-me a vê-las tranquilas na sua vidinha. A verdade, é que têm aparecido cada vez mais abelhas e outros simpáticos animais, desde aves e insetos, entre os quais lindas borboletas de diversas espécies.

Na minha humilde opinião, pelo que tenho lido e observado, a melhor opção para ajudar as abelhas e a Natureza em geral é deixarmos de quer domesticá-las a nosso bel-prazer, deixarmos que a coisas aconteçam à sua maneira e no seu ritmo.

No entanto, os maravilhosos livros de Peter Wohlleben, ajudam o leitor leigo em biologia, a perceber o perfeito funcionamento da Natureza num todo, de uma forma muito acessível e entusiasmante, fazendo-o refletir sobre como devemos agir para travar a sua destruição.

Quem ler esses livros, dificilmente volta a olhar para a Natureza como mera paisagem, sendo quase impossível não mudar os comportamentos para com esta.

Ilustrações do livro "A Ritinha e os Bichinhos" de Rita Micaelo Silva, 2015


terça-feira, 20 de setembro de 2022

O teu Castelo Amarelo (dedicado ao meu pai João Carlos Fernandes Silva)

Encontrei o teu castelo amarelo 

Junto de fotos e um caracol de cabelo

Que desenhaste ainda menino 

P'rá princesa que viria a caminho 

Lá me esperas desde bem cedinho

Preparando tudo com amor e carinho  

 

Esse teu misterioso castelo 

Desenhado e pintado de amarelo

Que tem duas torres, uma porta

E bem no alto uma bandeira torta

Não consta em nenhum dos atlas

Nem nos mapas dos piratas


Fica num lindo reino encantado 

Onde reina paz e amor por todo o lado 

Há jardins cheios de diversas árvores 

Flores de todas as espécies e cores 

Animais, duendes, fadas fantásticas 

Entre muitas outras criaturas mágicas, 

 

Peripécias sem conta eu já passei 

E outras tantas sei que passarei

Entre derrotas, vitórias e conquistas 

Tormentas e charadas com poucas pistas

Mesmo não sendo perfeita não desistirei de te reencontrar 

Ansiosa por te abraçar, sem nunca mais te largar

 

Não te esqueças do lanchinho de bonecas 

Com leite, docinhos e panquecas 

Para quando eu aí chegar 

Ao teu colo me sentar 

Um pinguinho tomar e histórias escutar

Sem ter mais hora para terminar  

 

Nesse teu castelo amarelo 

Onde tudo é tão incrível e belo

Que desenhaste ainda muito menino 

P'rá princesa que viria a caminho 

Lá me esperas desde bem cedinho

Preparando tudo com amor e carinho 

 

Rita Micaelo Silva 

Junho de 2022 

Desenhos de João Carlos Fernandes Silva (1967/70) 

  

domingo, 4 de setembro de 2022

Eu, as minhas árvores, o "Bambi" e “O Meu Pé de Laranja Lima”

Desde muito pequena que sempre fui apaixonada por histórias e livros. Já li muito, não o quanto gostaria, mas dos livros que mais marcaram foram o “Bambi” de Felix Salten e “O Meu Pé de Laranja Laranja Lima” de José Mauro Vasconcelos.

Dois livros que curiosamente só li, há muito pouco tempo, já em adulta e em fases cinzentas da minha vida.

Mais curioso ainda é o facto de um dos primeiros textos que escrevi, mal aprendi a escrever, foi precisamente um diálogo entre um menino e uma árvore, que ficaram grandes amigos. Lembro-me da minha mãe e da minha avó Teresa comentarem o facto de eu ter escrito aquele diálogo sem nunca ter lido “O Meu Pé de Laranja Lima, que foi um dos meus livros favoritos do meu pai. A verdade é que escrevi o tal diálogo, com oito ou nove anitos e que, agora, com 37 anos, me comporto como o personagem ZéZé que falava a sua árvore como se fosse gente, em vez de um mero objeto decorativo, dando-lhe um nome – Minguinho.

Pois, foi entre o dia 26 e 27 de agosto de 2022, depois de ter visto o título num concurso de cultura geral, que resolvi procurar e ler o livro “O Meu Pé de Laranja Lima” pela primeira vez na vida. É óbvio que sempre ouvi falar desta obra de referência mundial, inclusivamente adaptada para cinema, teatro, etc. No entanto, diziam que era uma história triste e, como quando se é miúdo não gostamos de coisas tristes, nunca me deu para a ler.

Também não gostava muito do Bambi, achava-o extremamente violento e triste para crianças. Não estava muito fora da realidade, porque o Bambi não foi escrito para crianças, mas sim para adultos, sendo um dos livros mais odiados pelo Hitler.

Apesar do Walt Disney ter feito uma adaptação muito fiel ao livro, ainda hoje muito popular no público infantil e não só, não há nada melhor do ler o Bambi original. 

Digo inclusivamente que o “Bambi” e “O Meu Pé de Laranja Lima” deviam ser obras de leitura obrigatória em todo mundo, porque uma fala da vida com um todo e o papel do Homem como parte integrante da Natureza (e não um ser superior a todos os outros), enquanto a outra fala do desenvolvimento do indivíduo dentro de uma sociedade desequilibrada.

Ao ler “O Meu Pé de Laranja Lima “, comecei logo por rever o meu pai na personagem principal, o Zézé, um menino com uma sensibilidade e inteligência fora de série, mas que se sente a pior pessoa do mundo porque estava sempre a ser castigado pela família, pelos mais velhos e até, na sua opinião, por Deus. Um menino de cinco anos a quem, cruelmente, roubaram a inocência e o mundo dos sonhos, mas que mesmo assim, teve sensibilidade para preservar o mundo imaginário do irmão mais novo, tendo consciência da importância disso para o seu desenvolvimento saudável e feliz. Está mais que provado que um indivíduo com uma infância infeliz dificilmente será capaz de encontrar paz interior e de transmiti-la ao outros, mas há quem o consiga. tal como o Zézé. 

Não foi preciso muito para me rever a mim, à minha mãe e tantas outras pessoas na personagem de Zézé.

Porque afinal quem é quem nunca se sentiu injustiçado pela família ou pelo mundo, pela vida?! Quem nunca viu as suas expectativas a irem por água abaixo, por culpa disso ou daquilo? 

Acontece que na maioria das vezes esperamos muito mais dos outros, esquecendo que eles também são humanos como nós, também os seus medos, as suas paranoias, as suas tristezas, os seus sonhos, os seus dias maus e bons. Esquecemos que, tal como nós, os outros também estão aprender sobre a vida e sobre eles mesmos, por isso erram, cometem injustiça, descarregam a raiva e o desespero em quem não tem culpa.

Às vezes até temos consciência de tudo isso, mas é mais fácil atribuir a nossas infelicidades aos outros e inventarmos uma série de desculpas esfarrapadas, em vez de enfrentarmos os nossos fantasmas pelos cornos e darmos cabo deles para sermos felizes.

Deste modo, gera-se um círculo vicioso em que andamos todos às turras uns contra os outros e pouco ou nada evoluímos enquanto comunidade humana, pois em pleno século XXI, continuámos a usar a violência de todas a formas possíveis e inimagináveis.

Estes dois livros mostram exatamente que neste mundo não há vilões nem vítimas, estamos todos no mesmo barco, somos todos meras formiguinhas no imenso universo desconhecido, não sabemos donde viemos, nem para onde vamos e, por isso somos frágeis, inseguros, inconstantes.

Deste modo, tudo será mais fácil quando nos tornamos cooperativos em vez de competitivos. Mas isso só será possível quando cada um de nós encontrar a sua paz interior, a aprender a gostar de si próprio e a respeitar pacientemente o processo de aprendizagem do próximo, o que exige a capacidade de perdoar. Perdoar os outros e a nós próprios, o que é ainda mais difícil, mas, é extremamente recompensador, quando conseguimos. Deste modo aprendemos a gostar de nós próprios e mais facilmente gostamos dos outros. O perdão é a chave para quebrar o círculo vicioso da violência e que nos liberta das amarguras/rancores, terríveis venenos capazes de nos destruir, se desses não nos libertarmos. Por isso, perdoar é, para mim, o mais importante gesto de amor, para com os outros e  sobretudo para connosco próprios. 

Pelo menos foram estas as principais mensagens que tirei destes dois livros que considero obras-primas da literatura pelo incentivo à compreensão, respeito e paz entre todos o seres-vivos da Grande Mãe Natureza.

Recomendo vivamente a leitura do fantástico “Bambi” e “O Meu Pé de Laranja Lima”, até mais do que uma vez, porque descobre-se sempre mais alguma coisa em cada leitura. Há livros que devem ser lidos na altura certa, mas como não sabemos qual é a altura certa, a solução é lê-los mais do que uma vez na vida. Aliás, não sei como nem porquê os livros vêm ter connosco na altura certa, pelo menos comigo tem sido assim.


Rita Micaelo Silva 

setembro, 2022