domingo, 4 de setembro de 2022

Eu, as minhas árvores, o "Bambi" e “O Meu Pé de Laranja Lima”

Desde muito pequena que sempre fui apaixonada por histórias e livros. Já li muito, não o quanto gostaria, mas dos livros que mais marcaram foram o “Bambi” de Felix Salten e “O Meu Pé de Laranja Laranja Lima” de José Mauro Vasconcelos.

Dois livros que curiosamente só li, há muito pouco tempo, já em adulta e em fases cinzentas da minha vida.

Mais curioso ainda é o facto de um dos primeiros textos que escrevi, mal aprendi a escrever, foi precisamente um diálogo entre um menino e uma árvore, que ficaram grandes amigos. Lembro-me da minha mãe e da minha avó Teresa comentarem o facto de eu ter escrito aquele diálogo sem nunca ter lido “O Meu Pé de Laranja Lima, que foi um dos meus livros favoritos do meu pai. A verdade é que escrevi o tal diálogo, com oito ou nove anitos e que, agora, com 37 anos, me comporto como o personagem ZéZé que falava a sua árvore como se fosse gente, em vez de um mero objeto decorativo, dando-lhe um nome – Minguinho.

Pois, foi entre o dia 26 e 27 de agosto de 2022, depois de ter visto o título num concurso de cultura geral, que resolvi procurar e ler o livro “O Meu Pé de Laranja Lima” pela primeira vez na vida. É óbvio que sempre ouvi falar desta obra de referência mundial, inclusivamente adaptada para cinema, teatro, etc. No entanto, diziam que era uma história triste e, como quando se é miúdo não gostamos de coisas tristes, nunca me deu para a ler.

Também não gostava muito do Bambi, achava-o extremamente violento e triste para crianças. Não estava muito fora da realidade, porque o Bambi não foi escrito para crianças, mas sim para adultos, sendo um dos livros mais odiados pelo Hitler.

Apesar do Walt Disney ter feito uma adaptação muito fiel ao livro, ainda hoje muito popular no público infantil e não só, não há nada melhor do ler o Bambi original. 

Digo inclusivamente que o “Bambi” e “O Meu Pé de Laranja Lima” deviam ser obras de leitura obrigatória em todo mundo, porque uma fala da vida com um todo e o papel do Homem como parte integrante da Natureza (e não um ser superior a todos os outros), enquanto a outra fala do desenvolvimento do indivíduo dentro de uma sociedade desequilibrada.

Ao ler “O Meu Pé de Laranja Lima “, comecei logo por rever o meu pai na personagem principal, o Zézé, um menino com uma sensibilidade e inteligência fora de série, mas que se sente a pior pessoa do mundo porque estava sempre a ser castigado pela família, pelos mais velhos e até, na sua opinião, por Deus. Um menino de cinco anos a quem, cruelmente, roubaram a inocência e o mundo dos sonhos, mas que mesmo assim, teve sensibilidade para preservar o mundo imaginário do irmão mais novo, tendo consciência da importância disso para o seu desenvolvimento saudável e feliz. Está mais que provado que um indivíduo com uma infância infeliz dificilmente será capaz de encontrar paz interior e de transmiti-la ao outros, mas há quem o consiga. tal como o Zézé. 

Não foi preciso muito para me rever a mim, à minha mãe e tantas outras pessoas na personagem de Zézé.

Porque afinal quem é quem nunca se sentiu injustiçado pela família ou pelo mundo, pela vida?! Quem nunca viu as suas expectativas a irem por água abaixo, por culpa disso ou daquilo? 

Acontece que na maioria das vezes esperamos muito mais dos outros, esquecendo que eles também são humanos como nós, também os seus medos, as suas paranoias, as suas tristezas, os seus sonhos, os seus dias maus e bons. Esquecemos que, tal como nós, os outros também estão aprender sobre a vida e sobre eles mesmos, por isso erram, cometem injustiça, descarregam a raiva e o desespero em quem não tem culpa.

Às vezes até temos consciência de tudo isso, mas é mais fácil atribuir a nossas infelicidades aos outros e inventarmos uma série de desculpas esfarrapadas, em vez de enfrentarmos os nossos fantasmas pelos cornos e darmos cabo deles para sermos felizes.

Deste modo, gera-se um círculo vicioso em que andamos todos às turras uns contra os outros e pouco ou nada evoluímos enquanto comunidade humana, pois em pleno século XXI, continuámos a usar a violência de todas a formas possíveis e inimagináveis.

Estes dois livros mostram exatamente que neste mundo não há vilões nem vítimas, estamos todos no mesmo barco, somos todos meras formiguinhas no imenso universo desconhecido, não sabemos donde viemos, nem para onde vamos e, por isso somos frágeis, inseguros, inconstantes.

Deste modo, tudo será mais fácil quando nos tornamos cooperativos em vez de competitivos. Mas isso só será possível quando cada um de nós encontrar a sua paz interior, a aprender a gostar de si próprio e a respeitar pacientemente o processo de aprendizagem do próximo, o que exige a capacidade de perdoar. Perdoar os outros e a nós próprios, o que é ainda mais difícil, mas, é extremamente recompensador, quando conseguimos. Deste modo aprendemos a gostar de nós próprios e mais facilmente gostamos dos outros. O perdão é a chave para quebrar o círculo vicioso da violência e que nos liberta das amarguras/rancores, terríveis venenos capazes de nos destruir, se desses não nos libertarmos. Por isso, perdoar é, para mim, o mais importante gesto de amor, para com os outros e  sobretudo para connosco próprios. 

Pelo menos foram estas as principais mensagens que tirei destes dois livros que considero obras-primas da literatura pelo incentivo à compreensão, respeito e paz entre todos o seres-vivos da Grande Mãe Natureza.

Recomendo vivamente a leitura do fantástico “Bambi” e “O Meu Pé de Laranja Lima”, até mais do que uma vez, porque descobre-se sempre mais alguma coisa em cada leitura. Há livros que devem ser lidos na altura certa, mas como não sabemos qual é a altura certa, a solução é lê-los mais do que uma vez na vida. Aliás, não sei como nem porquê os livros vêm ter connosco na altura certa, pelo menos comigo tem sido assim.


Rita Micaelo Silva 

setembro, 2022 

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