sábado, 9 de julho de 2022

O real imaginário

Fernando Pessoa escreveu que “As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais”. 

Eu acrescento que há lugares, criaturas e pessoas que nunca desaparecem ou morrem, apenas viajam para nosso imaginário. Assim como há lugares e pessoas que viajam para o nosso imaginário, apenas pelo que outros nos contam ou que estão, foram simplesmente imaginadas.

Por exemplo, eu não  cheguei a conhecer o meu bisavô Joaquim e só fiz uma visita à Costeira (casa de família do meu bisavô)  uma única vez,  quando tinha apenas três ou  quatros anos  de  idade,  da qual  não me recordo.  No entanto, cresci sempre com  a  Costeira no meu imaginário, por causa  das histórias que a minha avó Teresa e bisavó Matilde me contavam.

Deste modo, ir à Costeira foi  com uma viagem  no  tempo, onde as  histórias das minhas avós se tornaram realidade e  onde pude recordar memórias que vivi  apenas pelo que  me contavam. Foi uma sensação deliciosamente estranha, pois mesmo sem conhecer as maioria das pessoas, senti-me completamente em casa  e  em família.

Da mesma forma que não consigo deixar de sorrir quando vejo fotografias de familiares antigos (ou até mesmo os objetos pessoais)  que nunca conheci, mas dos quais os meus avós me falavam com tanto afeto. Ou até mesmo as personagens fictícias que fizeram parte da minha infância ou outras que eu própria criei ao longo do meu percurso enquanto criativa. No fundo, é como se existissem na realidade. 

Também já me aconteceu o contrário, ir a sítios que outrora me eram tão familiares e, que depois de um tempo de ausência, senti que aquele sítio não era o mesmo, por exemplo a minha antiga escola, ou a casa dos meus avós. Os sítios podem ser os mesmos, mas não são tal como a nossa memória nos mostra, basta o simples facto de já não estarem habitados pelas mesmas pessoas a quem estávamos habituados.  

Chego então à conclusão de que o que prevalece é aquilo que a nossa memória guarda, sobretudo quando se tratam de memórias felizes. São essas que fazem a nossa própria realidade, a nossa verdadeira identidade e, como diz o meu amigo Paulo Filipe, nós não somos ninguém sem a nossas memórias. 

E quem consegue criar este mundo imaginário, construído com memórias de histórias e experiências vividas, tem sempre um refúgio, um porto seguro, onde ir buscar paz e forças para enfrentar as adversidades da vida. Essas pessoas nunca têm medo de estar só, gostam de momentos a sós consigo próprias, principalmente quando são artistas ou simplesmente criativas.  

Não, essas pessoas (por muitos chamadas lunáticas) não se isolam do mundo, apenas param para assimilarem e interpretarem o que veem a sua volta. Vivem com calma saboreando cada simples momento, sem terem medo que o mundo acabe de um dia para a outro. 

Conheço muitas pessoas que não conseguem estar só, andam sempre de um lado para outro, com uma vida social super intensa e que, no final das contas,  estão sempre insatisfeitas,  infelizes, inquietas, inconstantes, a  tentar estragar a felicidade dos outros, só, porque não conhecem o prazer de ser verdadeiramente livre, de ir mais além daquilo que é físico e efémero, sendo por isso incapazes de compreender quem para elas são as "tristes solitárias". 

Sei que assim que muitos veem, uma "triste solitária", só porque não passo a vida no arejo. Lamento desiludi-los porque, na verdade, sou a "triste" mais feliz do mundo quando estou na minha agradável companhia. 

Para ser sincera, nem sei em que se baseiam para fazerem este tipo de observação, até porque tenho o hábito nem qualquer interesse em publicar a minha vida nas redes sociais, saio quando quero, com quem quero e ninguém tem nada a ver com isso. 

Simplesmente adoro o sossego, a natureza e o silêncio cheio de música e histórias. Preciso disso para criar, fazer aquilo que gosto e viver sem pressa nem confusões. É assim que encontro a minha paz e felicidade

E no entanto, tenho plena consciência da realidade, pois estou sempre atenta ao que se passa à minha volta, ao contrário de muitos acelerados que andam por aí atrás de algo que não sabem o que é, nem onde ou como encontrar. 

   




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